O trabalho era o traço marcante do escravo nas cidades, por conseguinte era o próprio trabalho que talvez lhe garantisse mais liberdade, devido ao movimento que as ocupações urbanas necessitavam; e segundo o historiador Roberto Guedes Ferreira esta mobilidade não passou despercebido aos olhos de Maria Graham, e o Johann Moritz Rugendas quando estiveram no Brasil, na década de 1820. A primeira ao se deparar com o número de negros livres e escravos na cidade, não enxergou aos olhos nus a "condição servil", a não ser quando aquela passou pelo mercado de cativos, na Rua do Valongo. Já o último destacou que os escravos "gozavam em geral de muita liberdade", pois tinham "o dia inteiro disponível para tratar dos seus negócios".
A maioria das vezes os pequenos escravistas urbanos não perdiam o domínio sobre seus cativos, mas a política de dominação(senhor-escravo), acabava gerando um distanciamento físico em relação a eles. Com isso para executar as múltiplas tarefas - carregadores, vendedores ambulantes, remadores, barqueiros etc. - existentes nas cidades era preciso ter mobilidade. Aludindo a mobilidade dos escravos que foram presos, devido ao levante dos malês na Bahia de 1835, segundo o historiador João José Reis, muitos cativos viviam fora da companhia dos senhores, fazendo o pagamento semanal, como o caso do remador de saveiro Narciso, que morava há muitos anos no Cais Dourado, onde ganhava "o que paga a semana a seu senhor". Assim como o Antônio, que residia em Itaparica há muitos anos. Onde seu curador defendeu a autonomia do escravo como importante para a economia do senhor: "O Réu vive apenas de seu trabalho de ganho, e para obter trabalho permitiu-lhe residir nesta cidade, onde com mais facilidade conseguia o que era útil e proveitoso ao mesmo". Com isso, a atividade ao ganho rendia muito mais lucro aos senhores do Recôncavo Baiano, quando os mesmos enviavam seus escravos para trabalhar em Salvador. Reportando-se à escravidão no Recife na primeira metade do século XIX, Roberto Guedes Ferreira cita, Maria Graham afirmarmou que os pequenos escravistas poderiam não ter controle sobre a execução do trabalho dos cativos: "Muitos, de todas as cores, quando conseguem comprar um negro, descansam, dispensando-se dos demais cuidados. Fazem com que os negros trabalhem ou esmolem para eles, assim, desde que possam comer seu pão tranquilamente, pouco se importam em saber como o dinheiro foi obtido". Por conseguinte, muitas pessoas nos bairros da cidade do Rio de Janeiro, tanta brancas quanto negras, possuíam um único escravo que, pela manhã saía em busca de trabalho e a noite retornava, devido as atividades econômicas essenciais para a manutenção das cidades, como o comércio, o transporte, a indústria, entre várias outras que exigiam um deslocamento constante dos escravos, como carregadores, carpinteiros, pedreiros, sapateiros, alfaiates, carreiros, carroceiros, pescadores, barqueiros, caçadores, tigres etc. As ocupações abordadas até aqui foram exercidas, em grande parte por homens, exceto o comércio de vendedores ambulantes, em que ambos os sexos trabalhavam. Ou seja, mulheres e homens. Aludindo a Praça do Comércio, cozinheiras vendedoras, preparavam as apetitosas carnes secas debaixo de sujas barracas de lonas, onde aglomeravam muitos escravos para degustar. Até as escrava domésticas saíam às ruas antes ou depois de executarem suas tarefas de porta adentro dos lares, porque em determinadas ocasiões às negras se ocupavam até as dez horas da manhã com a venda de pão de ló, e em seguida retornavam para casa do senhor, preparando assim a refeição principal do dia, e depois voltavam às ruas a partir das duas horas da tarde, para assim retroceder as dezoito horas. (imagens: escravidão urbana)
A questão do governo dos escravos nas cidades assumiu particularidades entre elas, no Rio de Janeiro, durante a primeira metade do século XIX, a necessidade do movimento constante para realização das tarefas propiciava uma mobilidade mais ampla aos cativos urbanos, independente do tamanho da escravaria em que fizesse parte, porém muitos escravos moravam com seus senhores. Em Salvador, devido à greve que os escravos participaram em 1857, o historiador João José Reis e Roberto Guedes Ferreira, analisaram que "disciplinar o trabalhador africano, sobre tudo na cidade, era uma tarefa ingrata", porque para fornecer algum tipo de rendimento aos senhores, os escravos precisavam de liberdade e de mobilidade para realizar suas atividades. Já, o historiador Marcus Carvalho reportando-se a escravidão no Recife na primeira metade do século XIX, "a luta pelo direito do próprio trabalho passava assim pela conquista de um outro direito: o de ir e vir (...) os canoeiros do Recife tinham mais autonomia que muita gente livre". Mesmo com todo impedimento a liberdade, o comércio e o setor de serviços urbanos empregavam um número alto de escravos em atividades que exigiam a mobilidade do trabalho. Com isso, a grande tarefa de definir os espaços de autonomia dos cativos gerou vários embates, se por um lado o trabalho escravo era crucial para o senhor adquirir rendas, por outro, os cativos enxergavam na labuta uma forma de obter maiores espaços de liberdade e de socialização, mas embora desfrutassem de movimento e liberdade, a vigilância sobre os escravos não era exclusividade senhorial na cidades brasileiras, mas também da Polícia da Corte, porém os cativos usavam de vários expedientes para ampliar seus espaços de autonomia, inclusive o de recorrer a própria Polícia para conter os maus tratos e as crueldades dos seus senhores.
"Eu sou guerreiro, sou trabalhador(...)
(...) Espero estar bem longe
Quando o rodo passar "
O Rappa. Lado A - Lado B
O Rappa. Lado A - Lado B
GRAHAM, Maria. Diário de uma viagem ao Brasil.
RUGENDAS, Johann Moritz. Viagem pitoresca através do Brasil.
FLORENTINO, Manolo. Tráfico, Cativeiro e liberdade (Rio de Janeiro, séculos XVII-XIX).
REIS, João José. Rebelião escrava no Brasil: a história do levante dos malês em 1835.
CHALHOUB, Sidney. Visões da liberdade: uma história do levante dos malês em 1835.
CARVALHO, Marcus. Liberdade: rotinas e rupturas do escravismo no Recife, 1822-1850.
KARASCH, Mary C. A vida dos escravos no Rio de Janeiro (1808-1850)
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