Na Rodoviária de Salvador, capital do Estado da Bahia, no dia 18 de novembro, de 2015, no plataforma de embarque A, com destino à Alagoinhas(Recôncavo baiano), às 8:30 da manhã de quarta-feira, duas senhoras conversavam sobre o alto custo de vida na cidade soteropolitana, dizendo:"que suas aposentadorias não davam para nada". A dona da primeira frase, proferiu assim, em alto e bom tom: "ah cumadi(comadre) não sei o que seria de mim e do meu véio(velho/marido) se não tivesse o programa do governo, Farmácia Popular para mim(eu) comprar meus remédios". Logo, atento ao diálogo das anciãs, a segunda, explanou: "oxe, e eu cumadi(comadre), que nem morrer posso, com o que eu ganho, vou ser enterrada aonde?". Assim, para não identificá-las pela cor da pele, o que é um erro brutal num país que possui a maioria da sua população de afrodescendentes, tomei a liberdade de chamá-las de Lourdes(senhora 1) com o nome da minha avó materna; e Maria do Carmo(senhora 2) com o nome da minha avó paterna, e por estar completamente mergulhado na resenha daquelas senhoras, e me sentindo um neto atencioso em ouvir as boas histórias das avós, ocorreu-me um "déjà vu"! A partir daí, começaram a brotar lembranças num arquivo afetivo que, logo encontrou um episódio que se encaixava perfeitamente na frase supracitada por Maria do Carmo(Senhora 2).
Os pais de um amigo, chamado Joaquim, custeou todas as atividades do enterro do seu tio, chamado Roberto, em 12 parcelas no cartão de crédito, pois os filhos de Roberto, primos de Joaquim, não gozavam de capital para enterrar o pai. Logo, se o morto não tivesse alianças familiares, estaria na mesma condição de Maria do Carmo, ou seja, seria enterrado aonde? Será que a preocupação de Maria do Carmo surgia por causa da falta de familiares e sabia que não contaria com a mesma ajuda que o tio(Roberto) de Joaquim? Enfim, por ser uma atividade fora da realidade de muitas famílias brasileiras, bancar um funeral nos dias de hoje, foi utilizada a "História Comparada" entre o diálogo das respectivas senhoras Lourdes e Maria do Carmo, a dificuldade dos pais de Joaquim para enterrar seu tio, e a obra "A morte é uma festa" do historiador João José Reis, escrita sobre a morte no século XIX, na cidade de Salvador, para expor que a morte sempre foi um assunto delicado, já foi até motivo de Revolta. Assim, a decisão de políticos e médicos, em acabar com os enterros no interior das igrejas das irmandades religiosas que ajudavam escravos, pobres, trabalhadores gozarem de um enterro digno, e criar um Cemitério distante da cidade, e ainda privatizar os funerais em poder de empresários, que impuseram várias regras que desrespeitavam a superstição da sociedade soteropolitana em relação a morte e cobrar altos preços por toda atividade que envolvia o funeral, acabou servindo de estopim para explodir uma Revolta, em 1836.
O ano de 1835, foi decisivo na campanha contra os enterros nas igrejas de Salvador. Logo, pressionadas, as irmandades religiosas e paróquias, através de D. Romualdo Seixas, arcebispo primaz desde 1827, em agosto de 1834, fez uma detalhada exposição ao ministro da Justiça, como poderiam as pessoas agir dentro da lei se não havia cemitérios e a Câmara não se encarregava de construí-los? Com isso, a autoridade eclesiástica detalhou: "viu-se já na Bahia sepultarem-se cadáveres nos quintais, ou lançarem-nos ao mar, porque os Fiscais e Juízes de Paz não consentem, que eles sejam sepultados nas igrejas(...)". Esses enterros clandestinos feriam a sensibilidade religiosa das pessoas, frustrando planos muitas vezes longamente elaborados de um funeral decente, público e pomposo, pago com sacrifício e antecipadamente às irmandades. Já que, o funeral, ou melhor a morte, era sempre celebrada como um espetáculo e por acharem que os defuntos teriam uma boa morte eram enterrados no interior das igrejas, uma prática comum no Brasil, até os anos oitocentos(Reis, 1991, P. 137). Assim, diante do despreparo dos poderes públicos, José Augusto Pereira de Matos, junto com José Antônio de Araújo e Caetano Silvestre da Silva, se associaram com o objetivo de construir e explorar comercialmente cemitérios em Salvador, pois a morte sempre fora um negócio rentável para as irmandades religiosas, e mais ainda para as igrejas! Por conseguinte, os empresários explicavam que suas iniciativas resolveriam o impasse criado entre as irmandades religiosas e o governo na questão dos cemitérios. Pois ambos(o governo e as irmandades) não tinha recursos para construir o Campo Santo.
Parafraseando João José Reis, para a empresa que construiria o cemitério não era só um negócio, mas um empreendimento patriótico, em que, elevaria o nível do Império do Brasil ao das Nações mais civilizadas da Europa. Abandonando de vez o "pernicioso costume de se inhumar nas Igrejas, dentro das Cidades, os Cadáveres dos mortos" defendendo os vivos da "inalação de miasmas pútridos (...) de que às vezes resulta a morte", mostrando com essas citações, a sincronia das ideias entre empresários e médicos da época. Com isso, o novo cemitério teria covas comuns, carneiros e sepultaras perpétuas, porém esses espaços não iriam se misturar como no interior das igrejas. O Campo Santo teria uma visão burguesa e individualista, onde operaria uma estratificação dos mortos, os cadáveres não seriam mais misturados, os defuntos abastados(poderosos, ricos em vida) seriam lembrados em versos lapidares, expondo um sistema de classificação social, e ainda, uma verdadeira aula de cidadania e civismo as futuras gerações. Continuando na estratificação dos mortos, os donos do cemitério de Salvador seguiria uma lógica estritamente econômica, em que, uma cova comum custava 1$280 réis, e para melhorar a imagem de um empreendimento polêmico por romper com a cultura de ver a morte como um festa(analisar a imagem no fim do texto), sempre celebrada pelas irmandades religiosas com queima de fogos, bandas, danças, utilização de máscaras, mortalhas e com repetitivos badalos de sinos, os empresários em troca prometiam enterrar gratuitamente as pessoas que comprovassem ser pobres. Já os preços de túmulos e catacumbas não eram anunciados, já que eram muito caros, e assim, eram negócios privados entre a empresa e os clientes.
Por tanto, o Clero de Salvador, percebendo que ficaria à margem desse lucrativo comércio, modificou o seu discurso e criou um regulamento religioso, onde as missas de corpo presente poderiam ser realizadas nas igrejas matrizes ou na capela do cemitério, sem que os empresários cobrassem por essa atividade, quem quisesse a presença de pároco na procissão fúnebre pagaria, além da encomendação, mais 6$400 réis, o que sempre fora comum nos funerais antes da construção do cemitério, o pagamento de párocos nos enterros, e exigiam ainda, o direito às covas para todos os membros do Clero. Após anos de conflitos com médicos e políticos contra a existência de um cemitério, as autoridades eclesiásticas inibiam a profanação do Campo Santo(cemitério), transformando-se numa espécie de sociedade, entre a Igreja e os empresários. Logo, quando a obra do cemitério foi declarada pronta, nova comissão eclesiástica foi organizada para examinar se ela estava de acordo com o regulamento religioso, e assim, apresentou seu parecer: "O cemitério está edificado com a maior decência possível, e de tal maneira que excedeu a expectativa da Comissão, e não pode dever muito aos Cemitérios da Europa: acha-se pronto para as inumações dos Cadáveres, e com toda a capacidade para a população da Cidade(Salvador)", assim as Igrejas seriam a partir de agora somente a "casa de Deus"(Reis, 305) e não mais o lugar de enterrar os mortos. Diante disso, as irmandades tentaram derrubam a lei de proibição de enterro no interior das igrejas, de forma legal, e acusavam as autoridades políticas e médicas de estarem indo contra a Constituição. Porém, as autoridades argumentavam que era uma questão de saúde pública, era preciso existir um local para armazenar os mortos de uma forma que não seria prejudicial a saúde da população soteropolitana(Salvador). Logo, surgiram infinitos debates, em que, várias irmandades julgavam seus túmulos higienizados, mas para a visão comercial, a prática dos enterros nas igrejas das irmandades fugia do controle do Estado, o que acabara impedindo uma arrecadação sistematizada de impostos sobre a morte.
Os debates permaneceram, e as irmandades religiosas acusavam a prática de enterro em cemitério um grande pecado, pois os cemiteristas(empresários) eram homens de usura que negavam a fé cristã, e que o Estado não poderia entregar essa atividade(lucrativa) a particulares, por ser sagrada deveria continuar no controle das irmandades religiosas. Mas, a lei entrou em vigor, e as autoridades não atenderam as exigências das irmandades, em ao menos, reservar seus túmulos no cemitério recém construído. Com isso recorreram à violência, e no dia da inauguração uma multidão de pessoas de todas as classes, gêneros, cores(escravos, trabalhadores, ricos, e alguns párocos e militares) se lançaram ao cemitério com toda fúria, destruindo tudo, tornando esse evento, mais um marco histórico na cidade de Salvador, que ficou conhecido como a Cemiterada de 1836.
Os debates permaneceram, e as irmandades religiosas acusavam a prática de enterro em cemitério um grande pecado, pois os cemiteristas(empresários) eram homens de usura que negavam a fé cristã, e que o Estado não poderia entregar essa atividade(lucrativa) a particulares, por ser sagrada deveria continuar no controle das irmandades religiosas. Mas, a lei entrou em vigor, e as autoridades não atenderam as exigências das irmandades, em ao menos, reservar seus túmulos no cemitério recém construído. Com isso recorreram à violência, e no dia da inauguração uma multidão de pessoas de todas as classes, gêneros, cores(escravos, trabalhadores, ricos, e alguns párocos e militares) se lançaram ao cemitério com toda fúria, destruindo tudo, tornando esse evento, mais um marco histórico na cidade de Salvador, que ficou conhecido como a Cemiterada de 1836.
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