sexta-feira, 5 de março de 2021

Fragmentar para dominar!

Muito se fala sobre novos projetos e desafios para Educação, e ao analisar o que se tem nas escolas e o que se trabalha em sala de aula, é possível compreender a dificuldade de inserção dos(as) alunos(as) nas sociedades atuais quando tornam-se cidadãos(ãs), assim como possuem dificuldade para compreender ou simplesmente tolerar aquilo que foge do senso comum. 

Logo, parafraseando o pensador Edgar Morin, utilizando o seu texto “Os sete saberes necessários à educação no futuro”, foi possível considerar que não há nenhum projeto escolar ou universitário abordando temas que complementam todos os níveis da Educação. Ou seja, não existe um projeto educativo para contemplar o ensino primário, o secundário e nem o ensino universitário, pois o que parece é que, manter os ensinos e/ou as disciplinas com os seus conteúdos fragmentados, é e sempre foi do interesse e de extrema importância para um pequeno grupo da sociedade se perpetuar no poder. 

Segundo o autor, isso acontece porque que não ensinamos as condições de um conhecimento pertinente, isto é, de um conhecimento que não mutila o seu objeto. Por que? Porque nós seguimos em primeiro lugar, um mundo formado pelo ensino disciplinar e é evidente que as disciplinas de toda ordem que ajudaram o avanço do conhecimento são insubstituíveis, o que existe entre as disciplinas é invisível e as conexões entre elas também são invisíveis, isto não significa que seja necessário conhecer somente uma parte da realidade, é preciso ter uma visão que possa situar o conjunto. 

Com isso, o ensino sobre economia, que é uma das ciências humanas mais avançada, mais sofisticada, não possui êxito nas suas previsões, porque está ensinando de um modo que privilegia o cálculo e esquece todos os outros fatores, os aspectos humanos! Ou seja, o sentimento, a paixão, o desejo, o temor, o medo. Assim, quando há um problema na bolsa de valores, quando as ações despencam, aparece um fator totalmente irracional que é o pânico, que, frequentemente, faz com que o fator econômico tenha a ver com o humano, e por sua vez se liga à sociedade, à psicologia, à mitologia. Essa realidade social é multidimensional, o econômico é uma dimensão dessa sociedade, por isso, é necessário contextualizar todos os dados. E aí, trazendo toda essa fala para a Educação, mais uma vez mostra-se necessário a importância do ensino interdisciplinar em sala de aula. 

Contudo, se não houver os conhecimentos históricos e geográficos para contextualizar, cada vez que aparece um acontecimento novo que nos faz descobrir uma região desconhecida, como o Kosovo, o Timor ou Serra Leoa, não entendemos nada. Portanto, o ensino por disciplina, fragmentado e dividido, impede a capacidade natural que o espírito tem de contextualizar, é essa capacidade que deve ser estimulada e deve ser desenvolvida pelo ensino de ligar as partes ao todo e o todo às partes. Pascal dizia, já no século XVII, e que ainda é válido: “Não se pode conhecer as partes sem conhecer o todo, nem conhecer o todo sem conhecer as partes”.

A identidade humana é extremamente ignorada pelos programas educacionais. Podemos perceber alguns aspectos do homem biológico em Biologia, alguns aspectos psicológicos em Psicologia, mas a realidade humana é indecifrável. Somos indivíduos de uma sociedade e fazemos parte de uma espécie. Mas estamos em uma sociedade e a sociedade está em nós, pois desde o nosso nascimento a cultura se imprime em nós. Nós somos de uma espécie, mas ao mesmo tempo a espécie é em nós e depende de nós. Se nos recusamos a nos relacionar sexualmente com um parceiro de outro sexo nós acabamos com a espécie. Portanto, o relacionamento entre indivíduo-sociedade-espécie é como a trindade divina, um dos termos gera o outro e um se encontra no outro. A realidade humana é trinitária, assim concluiu Edgar Morin.

Portanto, é preciso ensinar a unidade dos três destinos, porque somos indivíduos, mas como indivíduos somos cada um, um fragmento da sociedade e da espécie homo sapiens a qual pertencemos, e o importante é que somos uma parte da sociedade, uma parte da espécie, seres desenvolvidos sem os quais a sociedade não existe, a sociedade só vive dessas interações. É importante, também mostrar que, ao mesmo tempo que o ser humano é múltiplo, existe a sua estrutura mental que faz parte da complexidade humana, isto é, ou vemos a unidade do gênero e esquecemos a diversidade das culturas, dos indivíduos, ou vemos a diversidade das culturas e não vemos a unidade do ser humano. Esse problema vem causando polêmicas desde o século XVIII, quando Voltaire disse: “Os chineses são iguais a nós, têm paixões, choram”. E Herbart, o pensador alemão, afirmou: “Entre uma cultura e outra não há comunicação, os seres são diferentes”. Os dois tinham razão, mas na realidade essas duas verdades têm que ser articuladas, nós temos os elementos genéticos da nossa diversidade e, é claro, os elementos culturais da nossa diversidade.

É preciso lembrar que rir, chorar, sorrir, não são atos aprendidos ao longo da educação, são inatos e modulados de acordo com a educação. Heigerfeld fez uma observação sobre uma jovem surda, muda de nascença que ria, chorava e sorria. Atualmente, estudos demonstram que o feto começa a sorrir no ventre da mãe, talvez, porque não saiba o que o espera depois... Mas isso nos permite entender a nossa realidade, nossa diversidade e singularidade. Então, quando se trabalha o ensino da literatura e da poesia, não devemos considerá-las como secundárias e não essenciais, priorizando apenas o ensino da Matemática e da Língua Portuguesa como acontece nos principais concursos e instituições de ensino. A literatura é para os adolescentes uma escola de vida e meio para se adquirir conhecimentos. As ciências sociais vêem categorias e não indivíduos sujeitos a emoções, paixões e desejos. A literatura, ao contrário, como nos grandes romances de Tolstoi, aborda o meio social, o familiar, o histórico e o concreto das relações humanas com uma força extraordinária. Assim, podemos dizer que as telenovelas também nos falam sobre problemas fundamentais do homem; o amor, a morte, a doença, o ciúme, a ambição, o dinheiro. Temos que entender que todos esses elementos são necessários para compreender que a vida não é aprendida somente nas ciências formais, mas é possível expor que a literatura tem a vantagem de refletir a complexidade do ser humano e a quantidade incrível de seus sonhos.

Por tanto, considera-se que a ideia de trabalhar as disciplinas de forma isolada, como são apresentadas nos livros Didáticos, não impede ao professor de disseminar o conhecimento de forma interdisciplinar, quando abordamos a chegada dos europeus às Américas e tratamos apenas dos assuntos sócio-econômicos e deixamos de abordar os impactos ambientais promovidos nesses territórios ao longo tempo, perdermos a oportunidade de tratar sobre a importância de explorar o meio ambiente de forma sustentável, marginalizando assim, não só a disciplina de Geografia, mas também as populações indígenas que muito tem a ensinar. Outro exemplo, cabe para as fases da Revolução Industrial, quando trabalhamos os avanços tecnológicos e não abordamos o desmatamento, a poluição da atmosfera, a poluição dos rios e outros, estamos perdendo a oportunidade de mostrar aos(as) alunos(as) a importância de ter e exercitar a visão holística sobre os fatos históricos e as consequências que os mesmo provocaram no meio ambiente e nas populações que sofreram com esses avanços tecnológicos! 

Quando analisamos a era da globalização no século XX, que começou, na verdade no século XVI com a colonização da América e a interligação de toda a humanidade, possuímos a ideia de tudo estar conectado. Isso, é outro aspecto que o ensino ainda não tocou, assim como o planeta e seus problemas, a aceleração histórica, a quantidade de informação que não conseguimos processar e organizar. Este ponto é importante porque estamos num momento em que existe um destino comum para todos os seres humanos, pois o crescimento da ameaça letal como a ameaça nuclear se expande em vez de diminuir, a ameaça ecológica, a degradação da vida planetária. Ainda que haja uma tomada de consciência de todos esses problemas, ela é tímida e não conduziu a nenhuma decisão efetiva, por isso, devemos construir uma consciência planetária.

A fragmentação do ensino, dos conteúdos, propicia a construção de cidadãos(ãs) com pensamentos e críticas fragmentadas, como uma visão simplória sobre determinados temas, como a política, a economia, o trabalho e a segurança, forçando-os a disseminar apenas posições sobre aqueles assuntos relevantes para eles, e fechando questões sobre outros temas que os mesmos não foram no mínimo, condicionados a tolerar! Quando tratamos a Democracia Ateniense, como um grande avanço para época, e deixamos de trabalhar o quanto essa política foi exclusivista, elitista e machista, em relação às mulheres, aos estrangeiros e aos escravos, faremos com que os(as) alunos(as) de hoje tornem-se cidadãos(ãs) preconceituosos(as) a tudo aquilo que foge do senso comum. Por exemplo, é possível notar críticas à luta feminista, críticas aos movimentos com engajamento social e racial, críticas à formação de famílias com responsáveis do mesmo sexo, sem que ao menos esses críticos tenham no mínimo um conhecimento prévio sobre aquelas causas defendidas pelas minorias, e assim aqueles acreditam que apenas os seus posicionamentos político-sociais e/ou suas visões sobre a sociedade/mundo estão corretas! Por isso, por mais triste que seja, é perceptível o aumento no número de crimes relacionados ao feminicídio, ao racismo, ao meio ambiente, à xenofobia, entre outros crimes cada vez mais presentes nas sociedades atuais. Ou seja, essa visão fragmentada do conhecimento, do ensino, dos conteúdos expostos nos livros Didáticos, faz com que os problemas sociais permaneçam invisíveis para muitos profissionais da Educação, indecifráveis para os(as) alunos(as) e velado para atender os interesses dos nossos governantes.





Obra Guernica, 1937. 
Pablo Picasso